quinta-feira, 5 de setembro de 2013

MP investiga no PI pagamento de 30 plantões de 24h por mês a um médico

Hospital Estadual Dirceu Arcoverde é o maior centro médico do Litoral do Piauí (Foto: Patrícia Andrade/G1)

O Ministério Púbico Estadual solicitou à Polícia Federal a abertura de um inquérito para apurar a possível omissão de socorro médico e ainda outras irregularidades no Hospital Regional Dirceu Arcoverde (Heda), em Parnaíba, Litoral do Piauí. Segundo o promotor Antenor Filgueiras, documentos comprovam que um único médico estaria recebendo cerca de R$ 46 mil por 30 plantões de 24h durante um mês.

Desde o dia 31 de agosto os médicos iniciaram uma paralisação alegando atraso de quatro meses no pagamento dos plantões. No último fim de semana o hospital da segunda maior cidade do Piauí ficou sem especialistas como ortopedistas, cirurgiões e pediatras. O Heda é o único hospital público de Parnaíba que atende casos de média complexidade e dispõe de centros cirúrgicos e Unidade de Terapia Intensiva. No total são 145 leitos.
“Se um plantão tem 24 horas é humanamente impossível um médico trabalhar com essa quantidade de 30 plantões no mês. Nós ainda temos como comprovar que muitos deles atendem em unidades de saúde de outras cidades. Estão burlando qualquer tentativa que tem sido feita para melhorar o atendimento e dão a desculpa que falta estrutura. Na minha visão há uma má fé por parte dos médicos”, disse o promotor.
O diretor do Hospital Dirceu Arcoverde foi procurado pela equipe de reportagem do G1, mas disse apenas que a questão do pagamento dos plantonistas estava sendo resolvido pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesapi).
Em nota, a Sesapi disse que os pagamentos de alguns médicos não estão atrasados, mas, suspensos, devido ao trabalho de uma criteriosa auditoria que está sendo realizada no Heda. A Sesapi informou ainda que os meses de maio e junho deste ano já tiveram o pagamento liberado, com as devidas observações impostas pela comissão formada pela Superintendência de Gestão Administrativa (Sugad) e Diretoria de Unidade de Controle, Avaliação, Regulação e Auditoria (Ducara).
Hospital deixou de receber pacientes com a paralisação dos médicos (Foto: Patrícia Andrade/G1)
Hospital deixou de receber pacientes com a
paralisação  (Foto: Patrícia Andrade/G1)
O Ministério Público também ouviu pacientes e funcionários do Heda e entre os relatos há casos absurdos. Segundo o promotor, uma família relatou que levou um dos filhos ao hospital após esse sofrer queda de uma árvore e o médico orientou que registrassem um Boletim de Ocorrência na delegacia e dissessem que se tratava de um acidente de moto para garantir o Seguro DPVAT.

Segundo o MP, o número de cirurgias também chegou a reduzir drasticamente no Hospital Dirceu Arcoverde depois que os médicos deixaram de receber por produção. O levantamento feito pelo Ministério Público aponta que antes eram realizadas 20 procedimentos cirúrgicos por semana e após a fixação de um valor o número de cirurgias caiu para duas.

Pacientes estão recorrendo ao Pronto Socorro Municipal diante da paralisação no Heda (Foto: Patrícia Andrade/G1)Pacientes estão recorrendo ao Pronto Socorro Municipal devido a paralisação (Foto: Patrícia Andrade/G1)
O diretor do Sindicato dos Médicos em Parnaíba, Fares José, disse que existem contratos precários no Heda e que o recebimento desses plantões passa por acordos administrativos. “Nós entendemos que se há irregularidades elas precisam ser descobertas e resolvidas, mas os médicos que trabalharam precisam receber pelos plantões. Nós não defendemos quem atua ou recebe de forma irregular, mas é necessário que haja um melhor controle e auditorias constantes”, disse.

Diante de todo esse cenário, os pacientes que recorrem ao Hospital Regional Dirceu Arcoverde (Heda), considerado referência no Litoral do Piauí e em cidades vizinhas dos estados do Maranhão e Ceará, estão sofrendo com a falta de atendimento.

G1 esteve nesta quarta-feira (4) no centro de saúde das 9h30 às 17h e constatou algumas situações. O mototaxista Paulo Ramos levou a mulher que estava com náuseas e tonturas ao hospital, mas foi orientado a procurar outra unidade de saúde. Morando vizinho ao Heda, o homem teve que percorrer mais de cinco quilômetros até o Pronto Socorro Municipal, no bairro Nova Parnaíba.

Promotora de vendas desistiu de levar a filha para o Heda mesmo morando vizinha ao hospital (Foto: Patrícia Andrade/G1)
Promotora de vendas desistiu de levar a filha para o
Heda mesmo morando vizinha ao hospital
(Foto: Patrícia Andrade/G1)
A mesma situação aconteceu com a promotora de vendas Maria Lucinete, que levou a filha de nove meses com febre ao hospital. Sabendo da falta de médicos ela resolveu também procurar o Pronto Socorro Municipal.

“É revoltante morar praticamente ao lado do maior hospital da cidade e ter que percorrer mais de cinco quilômetros com uma criança para buscar atendimento em outro local porque não tem médico. Lá o atendimento nunca é bom e a gente só resolve procurar mesmo em último caso, porque o descaso é grande”, relatou a promotora.

Por volta das 16h, uma adolescente grávida de nove meses chegou ao Heda sentindo fortes contrações, dor de cabeça e falta de ar, mas também teve que procurar outra unidade de saúde. Acompanhamos a adolescente até a Maternidade Dr. Marques Basto, que é particular, mas atende pelo Sistema Único de Saúde. Lá Luana dos Anjos, 17 anos, foi atendida, mas orientada a voltar para casa, já que segundo a médica, a adolescente não estava em trabalho de parto.

Adolescente grávida de nove meses foi orientada a procurar outro centro médico (Foto: Patrícia Andrade/G1)Adolescente grávida de nove meses foi orientada a procurar outro centro médico (Foto: Patrícia Andrade/G1)
“Não fui medicada e continuo com fortes dores. Ela apenas disse que as dores é porque o bebê está se encaixando. Espero que não aconteça nada”, disse Luana.

A dona de casa Núbia Monteiro dos Santos, 16 anos, mora no Tabuleiros Litorâneos e levou o filho de 8 meses para o Hospital Dirceu Arcoverde. A mãe ficou preocupada com o bebê, que começou a ficar com dificuldade para respirar após ter colocado algo no nariz. O médico que atendeu Núbia, pediu que ela procurasse a lanterna de um celular para que ele examinasse a criança.

“Achei um absurdo, mas ele disse que não tinha a lanterna médica. Isso aconteceu depois de uma longa espera para ser atendida. É um verdadeiro descaso com a gente”, desabafou Núbia.

Desde o último fim de semana o Pronto Socorro Municipal de Parnaíba vem atendendo além da sua capacidade. O número de atendimentos praticamente dobrou desde que os médicos do Heda começaram a paralisação. A média de pacientes que davam entrada no centro era de 120 por dia, mas esse número saltou para 210. A unidade de saúde só dispõe de seis leitos para os casos em que o paciente precisa ficar em observação. Todos estavam lotados nessa quarta-feira.

O Pronto Socorro Municipal é a única opção depois do Heda para pacientes do SUS (Foto: Patrícia Andrade/G1)Pronto Socorro Municipal é a única opção depois do Heda para pacientes do SUS (Foto: Patrícia Andrade/G1)
“Aqui só temos como atender os casos mais simples, como fazer uma sutura e a medicação. Os casos de fratura não temos como dar assistência porque não dispomos de salas para Raio-X e tomografia. Nós fazemos aquele atendimento pré-hospitalar e a imobilização do paciente, mas os casos de cirurgia não ficam aqui”, disse Ismael Lopes, responsável técnico do Pronto Socorro Municipal.

“Para mim está mais do que claro que falta boa vontade. A omissão de socorro está prevista no Código Penal Brasileiro e estamos pedindo uma investigação profunda para saber o que de fato está acontecendo dentro do Hospital Dirceu Arcoverde”, destacou o promotor de Justiça, Antenor Filgueiras.

* Reprodução Márcio Melo

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