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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Donos da educação comandam milhões de alunos em negócios de mais de R$ 23 bilhões no Brasil


As políticas de inclusão educacional do governo federal da última década resultaram em uma forte alta no número de alunos nas instituições de ensino em todo o País. Se por um lado a quantidade de crianças, jovens e adultos fora de escolas e faculdades tem diminuído com o tempo, a presença das instituições privadas tem se mostrado cada vez mais intensa.

Segundo dados do Pnad 2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgados na última sexta-feira (27) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 25,4% dos estudantes do ensino superior estão em universidades públicas, enquanto 74,6% são alunos de instituições particulares. Os números incluem estudantes de mestrado e doutorado. 


Hoje, os maiores grupos da área no País são responsáveis pela educação de pelo menos 2 milhões de alunos, e têm valor de mercado estimado em R$ 23 bilhões (vide tabela abaixo). Kroton, Anhanguera, Tijucussu, Abril Educação, Cruzeiro do Sul, Estácio, COC, entre outras, abocanham uma fatia significativa dos alunos de todas as faixas do ensino no Brasil.

Esse valor só pôde ser levantado devido à obrigatoriedade de divulgação dos dados das empresas de capital aberto na Bolsa de Valores. Há ainda uma grande gama que não pôde ser aferida e que vem a engrossar esses dados.

Para Carlos Monteiro, presidente da CM Consultoria, especializada em planejamento em gestão em ensino superior, a educação privada é, sem dúvida, um bom negócio no Brasil.
— Escolas, mesmo desorganizadas administrativamente, ainda são um bom negócio. Agora, aquelas que têm um bom sistema de gestão, que estão bem estruturadas, são extremamente rentáveis sim. E eu não vejo nada de pejorativo nisso.


O professor defende que essas instituições seguem seu objetivo, que é o lucro.
— Para elas terem lucro, elas têm de oferecer um serviço que atenda às expectativas de seus clientes. No caso da Kroton e da Anhanguera, estamos falando de um milhão de clientes. E ninguém tem essa quantidade de clientes se o produto que oferecesse não estivesse de acordo com o desejado pelo seu cliente.

Em menos de dois anos, 23 megafusões de empresas educacionais são aprovadas pelo governo


Monteiro se refere ao maior grupo educacional do mundo, formado pela fusão das empresas Anhanguera e Kroton, ambas brasileiras. Hoje, elas possuem, juntas, mais de um milhão de alunos e um valor de mercado que ultrapassa os R$ 12 bilhões de reais.

O valor somado das empresas de educação no País chega a aproximadamente R$ 23 bilhões. Essa quantia representa praticamente metade dos gastos do MEC (Ministério da Educação) em 2012, que foram de R$ 51 bi.
Porém, esse novo perfil do mercado educacional chega ao aluno não apenas por meio da estrutura educacional padrão. Integram o atual cenário: universidades privadas e seus cursinhos preparatórios; os colégios de ensino médio, ensino básico e ensino fundamental; creches e berçários particulares.

Além dos sistemas de ensino, as editoras de livros didáticos e de apostilas começaram a ganhar papel de destaque neste mercado, apoiando o crescimento das empresas educacionais. Junto a isso, também caminham as tecnologias educacionais: quadros-negros digitais, tablets e computadores voltados especificamente para as salas de aula se tornaram uma grande fonte de renda.

Estudantes

Para a UNE (União Nacional dos Estudantes), o atual cenário confere às universidades privadas do País um caráter mercantil. Em entrevista ao R7, Vic Barros, presidente da entidade, avalia que a fusão de empresas estrangeiras com instituições particulares não é sustentada por objetivos educacionais. 

— A gente tem hoje quase sete milhões de universitários no País e mais de um milhão deles se encontram em universidades de capital estrangeiro. Isso para nós é muito ruim porque desvirtua uma das principais missões da educação, que é construir uma universidade relacionada a um projeto de nação, fortalecer a soberania do País.

Segundo Vic, uma das lutas da UNE é pela aprovação de um marco regulatório do ensino superior que barre a entrada de capital estrangeiro na composição acionária das instituições particulares. 

No final do ano passado, o MEC (Ministério da Educação) deu início a um debate para a criação do Insaes (Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior). Ainda em discussão no Congresso Nacional, o Projeto de Lei visa à criação de um instituto para avaliar e regular o ensino superior. O novo instituto poderá autorizar e renovar o reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais.  O Insaes vai poder decretar intervenção em instituições de educação superior. Como sanção aos infratores da lei, o instituto poderá desativar cursos, reduzir o número de vagas, suspender a autonomia ou descredenciar instituições, dar advertência ou multas de R$ 5 mil a R$ 500 mil.

Para Vic, as fusões e aquisições de grupos privados de educação no País são avaliadas apenas do ponto de vista econômico. 

— O mesmo órgão que regulamenta a fusão de cervejaria está regulamentando a fusão de universidades. Avalia do ponto de vista mercadológico, e a gente acha fundamental que seja avaliada também do ponto de vista educacional. 

A fusão entre os grupos Kroton e Anhanguera ainda está sob análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O órgão explica que, quando operações acontecem no setor educacional, o MEC pode se manifestar durante a análise de operações por solicitação do próprio Cade ou quando achar necessário. Cabe ao ministério ainda exercer sua competência como órgão que regula e estabelecer políticas públicas educacionais.

Para a líder estudantil, o Insaes vai poder regulamentar e avaliar fusões e compras do ponto de vista educacional. Ainda assim, ela entende que é necessária a criação de um marco regulatório que controle, por exemplo, a qualidade do ensino oferecido e as mensalidades praticadas.


Outros mercados


Não apenas no ensino superior, mas a educação básica também tem forte influência das empresas privadas. Entre as vantagens apontadas de um sistema de ensino particular, profissionais destacam a economia no tempo para a preparação das aulas, a facilidade no acompanhamento pedagógico e economia com impressão dos materiais.

Por outro lado, este método é tido como um mecanismo que não respeita as individualidades do aluno, a autonomia do professor — pois tira dele a liberdade para planejar sua aula de acordo com suas especificidades —, e sacrifica as regionalidades, pois seria um único texto para todo o País.

Para Márcia Aparecida Brischi, secretária de Educação de Montemor (SP), a contratação de um sistema de ensino para a educação básica foi uma boa solução para o município. A cidade utiliza os livros do grupo Positivo nas escolas públicas, e, segundo a secretária, o resultado é satisfatório até hoje.


— É uma solução completa, pois oferece um conjunto específico de recursos para nossa rede de ensino. [...] O PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) serve como um complemento. Os alunos usam [os livros d]ele para pesquisa.

Ainda sobre a viabilidade na utilização do material do Grupo Positivo, Márcia defende que ele permite que os profissionais sejam mais bem instruídos quanto às aulas, e que a praticidade é maior em comparação a outras técnicas.

— O diferencial do material [privado] é que a aula já está pronta. Como é um sistema apostilado, a aula já está praticamente pronta. O professor se organiza por aula.

Questionada se o investimento do dinheiro público no material escolhido diretamente de uma empresa privada é ético, Márcia respondeu que os pais dos alunos veem o resultado final com bons olhos.

— Eles [os pais] veem com bons olhos, pois eles acreditam que é um investimento que o poder público tem destinado pro aluno, e que é de grande valia. Eles enxergam assim. O material é muito bonito, muito rico, e os pais têm apoiado a escolha deste material.

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