Em janeiro, o Fantástico mostrou denúncias graves contra o prefeito Adail Pinheiro, da cidade de Coari, no Amazonas. Acusado de abusar de meninas de 9 a 15 anos, ele foi preso 20 dias depois de a reportagem ir ao ar.
Agora, vamos exibir uma nova denúncia sobre esse tipo de crime. Desta vez, na capital, Manaus. Os acusados são empresários e outros políticos amazonenses. A reportagem sobre é de Walter Nunes, Monica Marques e Giuliana Girardi.
Fausto Souza, de 62 anos, é deputado estadual.
Fausto: Qual é a novidade?
Agenciador: Mano, é top. Estou te falando.
Fausto: Tá bom.
Asclepíades Costa de Souza, de 57 anos, é ex-prefeito. Apelido: Asclé.
Agenciadora: Eu nunca levei mulher arqueada para o Asclé, não. Ele sabe disso.
Agenciador: Você sabe como ele gosta, né?
Agenciadora: Sei. Estilo garotinha.
Vitório Nyenhuis, de 41, é ex-cônsul honorário da Holanda.
Vitório: Você é fuleira comigo.
Agenciadora: Por quê?
Vitório: Como é que tu manda uma menina daquela? É muito feia.
Waldery Areosa Ferreira, de 62, é empresário de Manaus.
Waldery: Fala, cachorra.
Agenciadora: Eu estou aqui, já.
Waldery: Estou chegando.
Fausto, Asclepíades, Vitório, Waldery e mais 16 pessoas são acusados de fazer parte de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes no Amazonas. Segundo a polícia, eles eram clientes. Pagavam para fazer sexo com as menores de idade.
Cliente: Ela é bonita?
Agenciador: É. Demais.
Cliente: Vou querer ela também.
Agenciador: Beleza.
Cliente: É a de 12, é?
Agenciador: É.
O Fantástico localizou uma das vítimas desse esquema. Ela tem 18 anos. Começou a se prostituir com 14: “Era praticamente uma criança. Falavam que era para sair bem vestida e que não era para reclamar da pessoa que estava pagando, para fazer o gosto das pessoas”, ela conta.
Como funcionava o esquema
A partir desse depoimento, da denúncia do Ministério Público e de gravações em áudio e vídeo, o Fantástico mostra como funcionava esse esquema que atendia políticos e empresários da capital do Amazonas.
Agenciadora: Onde você está?
Menina: No curso. Aqui no supletivo.
Babado significa programa.
Agenciadora: Sai desse curso. Bora para o babado.
Menina: Não dá, não. Quanto?
Agenciadora: R$ 500, mana.
Meninada: Tá. Vem me buscar aqui.
Um convite mudou a vida da jovem que começou a se prostituir com 14 anos. “Estava em frente de casa e chegou uma mulher, perguntando se eu queria vender roupa com ela, sutiã, essas coisas”, ela conta.
A estranha virou amiga da adolescente: “Eu via que ela oferecia meninas, que ela conhecia gente de alta sociedade. Ela perguntou se eu queria experimentar. Eu experimentei com 14 anos. Na primeira vez, eu ganhei R$ 1,5 mil”, lembra.
A operação que investigou essa rede de prostituição foi chamada de Estocolmo - uma referência à síndrome de Estocolmo, quando as vítimas criam vínculos emocionais com os próprios algozes.
Meninas seduzidas
As meninas que foram aliciadas para participar desse esquema moram em bairros pobres de Manaus. Elas foram envolvidas, seduzidas para essa vida e começaram a se prostituir. Receberam uma espécie de treinamento, instruções bem detalhadas dos agenciadores para se transformar em garotas de programa.
Agenciadora: O que você vai falar para sua mãe?
Menina: Vou ver uma história aqui.
Agenciadora: Diz que vai fazer um curso de trabalho.
Festas, viagens, em passeios de barco ou mesmo dentro de carros. Depois que o programa sexual é acertado, os agenciadores falam com a menina.
Agenciadora: Já fez a chapinha?
Menina: Ainda não.
Agenciadora: Bota uma bermudinha, uma roupinha, uma sandalinha, que eu estou passando na sua casa em 15 minutos.
Wilkens Fernandes é, de acordo com a investigação, um dos agenciadores.
Cliente: Quantos anos ela tem?
Wilkens: É melhor a gente falar isso pessoalmente.
Cliente: Não. Fala logo, eu estou sozinho no meu carro.
Wilkens: 15.
Cliente: 15? Para eu ir para o motel com ela, não vai dar bronca, não?
Wilkens: Não. Ela já saiu algumas vezes.
Wilkens chega a oferecer uma virgem de 12 anos por R$ 3 mil. Ele fala com Luciana Silva, uma pessoa apontada pela polícia como agenciadora.
Wilkens: Tem algum amigo que gosta de criancinha?
Luciana: Que gosta de quê?
Wilkens: De bebê, bebezinho.
Luciana: Tenho.
Wilkens: Dozinho (12 anos). Linda, uma patrícia. Ela quer acima de R$ 3 mil.
Acusados de participar do esquema
Wilkens foi pra cadeia em novembro de 2012, durante a operação que prendeu acusados de participar do esquema. Saiu 45 dias depois, com um habeas corpus. Agora, ele está de novo preso, e, mais uma vez, por exploração sexual.
A defensora pública que atende Wilkens preferiu não gravar entrevista. Disse que já apresentou à Justiça a defesa prévia dele.
Entre os clientes da agenciadora Luciana Silva, aparece um político amazonense: o então prefeito Asclé.
Agenciador: Estou indo encontrar com Asclé. Seleciona aí.
Luciana: Elas são muito bonitas. Estilo garotinha. Eu estou com uma linda aqui.
Agenciador: Tá. Estou chegando aqui com ele.
Segundo o Ministério Público, em março de 2012, a cafetina Luciana promoveu dois encontros entre uma menor - de 13 anos - e Asclepíades Costa de Souza que, na época, era prefeito de Jutaí, cidade a 750 quilômetros de Manaus, com cerca de 17 mil habitantes.
Mãe de menina denuncia
Em depoimento, a menina contou que os programas aconteceram em um motel da capital do Amazonas e que recebeu R$ 900 ao todo. A mãe dessa garota de 13 anos foi a primeira a denunciar o esquema.
“A filha começava a aparecer com sapatos, bolsas, óculos de marca e achou estranho isso daí”, diz Mário Aufiero, delegado geral adjunto do Amazonas,
“Essa menor começou a narrar quem eram os seus clientes, quem eram as pessoas que estavam pagando para ter sexo com ela”, explica o promotor de Justiça Fábio Monteiro.
“Foi comprovada essa rede de exploração. As provas são robustas”, afirma Aufiero.
O Ministério Público também acusa o ex-prefeito Asclepíades de desvio de verbas da educação e apropriação de recursos públicos. A defesa recorreu. Sobre a rede de prostituição, nem ele nem a advogada quiseram gravar entrevista.
Lista de clientes conhecidos no Amazonas
A lista de clientes da agenciadora Luciana Silva tinha outros nomes conhecidos no Amazonas.
Em 2012, o advogado Vitório Nyehius era cônsul honorário da Holanda em Manaus. Esse não é um cargo diplomático. É um título temporário. Uma das tarefas é promover o comércio e o turismo do país que representa. Em Manaus, o consulado honorário funciona dentro de uma empresa de embalagens, que pertence a Vitório.
De acordo com as investigações, uma menina, menor de idade, se encontrou com o cônsul. Ele pagou R$ 300 pelo programa.
Para a polícia, a imagem da cafetina Luciana Silva saindo da empresa de carro, junto com a adolescente, logo depois do encontro com o cônsul, é uma das provas.
As gravações telefônicas completam a investigação. Vitório está preocupado com uma possível gravidez.
Vitório: Eu quero que você monitore essa menina, hein bicho? Pelo amor de Deus. Você sabe que eu não vou ser idiota de me aventurar, de querer me separar da minha mulher para ficar com alguém, entendeu cara?
Luciana: Lógico.
Vitório: Outra coisa: todo mundo faz.
Luciana tranquiliza o cônsul. A jovem tomou a pílula do dia seguinte.
Luciana: Eu comprei dois, ela tomou na minha frente.
Vitório: Graças a Deus. Obrigado.
Luciana: Não, o que é isso.
Segundo a embaixada da Holanda, Vitório deixou de ser cônsul honorário em dezembro de 2012. Ele responde ao processo em liberdade.
Repórter: O senhor fez parte dessa rede de exploração infantil?
Vitório: Não, querida, não.
Repórter: O que o senhor acha dessas pessoas que agenciam meninas menores de idade para que elas participem de programas sexuais?
Vitório: Eu acho que todas elas tem que estar atrás das grades. Eu tenho uma filha de 3 anos de idade.
O ex-cônsul pediu que procurássemos o advogado dele. “Pode ser uma perseguição empresarial. Ele é um homem muito bem conhecido na cidade”, diz Marcus Vinicius Rosa, advogado de Vitório.
A defesa contesta a investigação: “Nem tudo o que a polícia diz é verdade. Assim como também nem tudo o que a defesa fala é verdade”, argumenta Marcus Vinicius.
Tentamos ouvir a agenciadora Luciana Silva. Fomos à casa dela. Parentes disseram que Luciana não quer falar. O advogado também preferiu não se manifestar.
Janaína Ribeiro é outra acusada de promover encontros sexuais com menores. Segundo o Ministério Público, o principal cliente dela era Waldery Areosa Ferreira, empresário da área de educação, ex-dono de um centro universitário de Manaus e proprietário de um hotel flutuante.
A agenciadora chama o empresário de "Wal".
Janaína: O Wal chegou.
Menina: Sério?
Janaína: Chegou. Tinha que ser você e mais outra. Sabe que ele gosta de duas.
Menina: É...
Segundo as investigações, um dos encontros de Waldery foi com uma adolescente de 16 anos. A cafetina Janaína explicou como ela deveria se comportar: “Vai bem bonitinha, patricinha, que ele gosta de menininha”.
Outra recomendação: chegar na hora combinada: “Ele é pontual. Hoje é sexta. A mulher dele está em casa. Ele tem hora para chegar em casa, entendeu? Vai ser no escritório dele”.
De acordo com as investigações, a adolescente ganhou R$ 700 e Janaína, R$ 400.
O Fantástico procurou o advogado da agenciadora, mas ele não retornou as ligações.
Waldery também é acusado de ter relação sexual com a menina de 13 anos. Lembrando: foi a mãe dessa garota que fez a denúncia que deu origem às investigações.
Segundo essa adolescente, o empresário pagou R$ 700, deu joias para ela e chegou a oferecer um carro.
A jovem que o Fantástico localizou e que fez parte dessa rede de prostituição afirma: “Waldery só gosta de menina de 12 anos. Todo mundo sabe. Menina nova”.
Repórter: Você chegou a se encontrar com quem desses empresários daqui da cidade?
Menina: Ah, não vou falar nome, não. Mas foi muita gente de alta sociedade.
Repórter: E eles pagavam bem?
Menina: Muito. A gente saía das festas, ia direto para o motel.
A polícia comprovou que o empresário Waldery marcou outro encontro.
Imagens mostram mais uma adolescente chegando ao prédio onde ficava o escritório de Waldery. Essa tinha 14 anos.
Em depoimento, a jovem disse que recebeu um celular e mais R$ 200. E que a relação sexual naquele dia não foi com o empresário, e sim com o filho dele. Waldery Júnior, 38 anos, é sócio de uma das escolas particulares mais caras de Manaus.
Waldery Pai e Waldery Filho não quiseram gravar entrevista. O advogado disse que "a inocência deles será provada durante a instrução processual e vai culminar com a completa absolvição" dos dois.
TJ do Amazonas começa a ouvir vítimas
Daqui dois meses, o Tribunal de Justiça do Amazonas deve começar a ouvir as vítimas e os acusados desse caso. Eles vão prestar depoimento um ano e meio depois do fim das investigações.
“Cada cabeça é uma sentença. A nossa forma de trabalhar é essa: é implementar celeridade, sem ver quem é quem nos autos. Porque, nos autos, não tem doutor e nem tem peão”, afirma Rafael Araújo Romano, desembargador do TJ-AM.
O caso está no Tribunal de Justiça, a instância mais alta das justiças estaduais, porque um dos réus tem foro privilegiado. Ou seja, pode ser julgado por um colegiado de desembargadores. Trata-se do deputado estadual Fausto Souza, do PSD.
Ele é acusado de ser cliente de um cafetão chamado Pablo Carvalho.
A polícia afirma: entrando em um motel, dentro do carro que pertence ao deputado Fausto Souza que você vê no vídeo, estão ele e uma adolescente de 16 anos. Quem acertou o encontro foi Pablo Carvalho. A jovem não queria ir, mas ele insistiu.
Muitas meninas tentavam frequentar a escola, se esforçavam, queriam investir no estudo. Mas tinham dificuldade porque o assédio dos agenciadores era grande.
Menina: Eu estou sem estudar. Olha aí, é o futuro. Prefiro meu estudo porque é a única oportunidade que eu tenho, Pablo.
Pablo: Maninha, pelo menos hoje. Tu vai ficar rica hoje, vai salvar o dia. Tu sabe. Vale a pena e ele é rapidinho, tá?
Menina: Que Fausto é esse?
Pablo: O Souza. Daqui uns 20 minutos, ele está me ligando, vou aí te pegar.
Quando está a caminho do motel, o deputado liga para o cafetão, que leva a jovem em um carro.
O agenciador contou à polícia que o deputado desembolsou R$ 100 pelo programa.
O advogado de Pablo Carvalho não quis se manifestar. Fausto Souza, que já foi vereador de Manaus, ainda é acusado de pagar para ter relações sexuais com outras duas adolescentes de 16 anos.
Tentamos falar com o deputado Fausto de Souza Neto. Ele não estava no gabinete. Os assessores nos orientam a procurar a advogada do deputado.
“Sempre negou essa situação e nós, no decorrer da instrução processual, vamos demonstrar que, de fato, não existe. As provas são frágeis em relação a isso”, afirma Carla Luz Abreu, advogada de Fausto.
“Admitir que pratica um crime dessa natureza é admitir que tem a maior deformidade de personalidade. Então, evidentemente que eles estão fazendo a parte deles, questionando. Nós não temos dúvida alguma que praticaram essas condutas”, diz o promotor de Justiça Fábio Monteiro.
Fantástico acompanha denúncias
Desde o começo do ano, o Fantástico acompanha denúncias de exploração sexual infantil no Amazonas.
Em Coari, interior do estado, o prefeito Adail Pinheiro foi apontado pelo Ministério Público como o chefe de uma rede que contava com a ajuda de servidores da prefeitura para identificar e aliciar as vítimas. Ouvimos jovens que afirmam ter sido abusadas por Adail.
Menina: Ele me estuprou porque eu pedi para ir embora.
Repórter: Nessa época, você tinha que idade?
Menina: 10 anos.
Adail Pinheiro está preso desde o mês passado e foi afastado da prefeitura por decisão da Justiça.
A jovem que se prostituiu durante quatro anos em Manaus está conhecendo agora um novo jeito de viver. “Hoje em dia, eu estudo. Quero ter um futuro para mim, seguindo a carreira que eu quero ser, cabeleireira. E, assim, ganhar meu dinheiro próprio, com dignidade. Porque o dinheiro que eu ganhava não era digno, era um dinheiro sujo”.
“Muitas notícias chegaram de outras meninas como vítimas. Outras agenciadoras e outros clientes que também estão sendo investigados”, aponta o promotor.
“Eu perdi a minha infância todinha. Eu me arrependo muito do que eu fiz. Não quero mais isso para minha vida”, lamenta uma menina.
Fonte: G1
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