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terça-feira, 2 de dezembro de 2014

DESPREPARO: Polícia brasileira mata e morre mais do que em outros países

Manifestante participa de protesto silencioso contra a violência policial, em frente à arena Fifa Fan Fest de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 29 de junho. Foto: Divulgação
* Jornal de Hoje - Uma polícia violenta, mas que também é vítima da criminalidade. Esse é o retrato da atuação policial no Brasil, revelado pela edição 2014 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O levantamento aponta que, em apenas cinco anos, as polícias brasileiras – civil e militar – mataram tanto quanto a americana em três décadas.

Por outro lado, os números de policiais mortos no Brasil também batem recordes, o que revela uma falência geral do sistema, avalia Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Nacional de Segurança Pública, responsável pelo estudo.
O Anuário destaca a alta vitimização e letalidade policial no país. Foram 11.197 mortes causadas por policiais entre 2009 e 2013, ano em que as polícias civil e militar mataram seis pessoas por dia no Brasil. No período de cinco anos, 1.770 policiais foram mortos – 490 apenas no ano passado. Para Samira, ambos os cenários são face de um mesmo processo e que está relacionado ao padrão de atuação extremamente violento que as polícias brasileiras operam. Em resposta, afirma ela, é urgente que se pense em reformas, como uma nova arquitetura institucional para as polícias.
Samira avalia que o atual sistema faliu devido a sua fragmentação, pois não há um órgão que comece e termine o trabalho policial, lembrando das competências civil e militar. “Nosso modelo não tem dado as respostas adequadas no combate ao crime e à violência. As polícias acabam sendo reprodutoras da violência e também não conseguem enfrentar o crime, tanto que na última década vimos aumentar os indicadores de homicídio”, salienta.
Apesar de os números apresentados pelo estudo evidenciarem um padrão abusivo de atuação das polícias brasileiras, Samira ressalva que os dados são subestimados e que o cenário real deve ser ainda pior. Ela menciona a dificuldade de coleta e sistematização das informações entre as instituições. “São indicadores frágeis ainda”, pondera.
Assim, o Anuário não pode ser usado como comparativo entre todos os estados. São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e Pará estão entre aqueles que há mais de uma década contabilizam as estatísticas. Entre esses, polícia gaúcha é a de menor letalidade – a taxa em 2013 foi de 0,4 mortes provocadas por policiais a cada 100 mil habitantes. O Rio lidera em números absolutos (416 casos) e com uma taxa de 2,5/100.000.
Policiais mortos
Em 2013, 490 policiais mortos de forma violenta no Brasil: 121 durante alguma operação e 369 (75,3%) em um momento que não cumpriam serviço pela sua instituição. São três vezes mais mortes fora de serviço. Segundo Samira, as vítimas podem ter sido surpreendidas durante uma reação a roubo não-fardadas ou no cumprimento do chamado “bico” para complementar a renda – o que é uma realidade em todo o país. “É nesse momento que acaba desprotegido e mais vulnerável”, avalia Samira, lembrando que, quando em serviço, o policial conta com o aparato da corporação, como rádio, viatura, o parceiro e a própria farda.
Segundo a diretora do Fórum de Segurança, não se pode, contudo, descartar a ação do crime desorganizado, no qual o assassinato de um policial pode dar novo status a um integrante. “As mortes de policiais refletem na prática um espiral de violência”, diz. “No caso de São Paulo, se sabe que os policiais são objeto da ira do crime organizado. É mais um resultado perverso desse sistema”, lamenta. Nos Estados Unidos, em 2013, 96 policiais foram mortos em serviço. Já no Reino Unido, a média é de oito policiais mortos por ano em decorrência da profissão.
E essa espiral da violência inclui um fator cada vez mais pesado da equação: o sistema prisional. O Brasil possui uma grande população de presos, quase 575 mil pessoas – 215 mil deles em caráter provisório. Só que não há vagas para todo mundo. Com crescimento de 9,8% entre 2012 e 2013, o déficit de espaço nas cadeias chega a 220 mil vagas. Sem estrutura adequada nem perspectiva de ressocialização, o quadro prisional brasileiro contribui para o aumento da violência em todos os níveis da sociedade.
Soluções possíveis para a violência policial
Foram 53.646 mortes violentas no Brasil em 2013 – 11% dos homicídios no mundo ocorrem no país, que tem menos de 3% da população mundial. Uma das conclusões do Anuário de Segurança Pública é que o país tem condições de assumir como meta reduzir em 65,5% os homicídios até 2030, com uma média de 5,7% a cada ano.

Presente na pauta de possíveis soluções para esse quadro, a desmilitarização das polícias tem o apoio de seu quadros. É o que revelou neste ano uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas e o Ministério da Justiça: 73,7% dos policiais se manifestaram a favor. Em 2012, Conselho da ONU já havia recomendado a desmilitarização das polícias brasileiras.
Para Samira, embora o militarismo exerça impacto sobre a violência, pouco se discute o significado do processo. “A violência policial não está ligada ao militarismo necessariamente, pois se vê práticas abusivas e violentas também na polícia civil. Um exemplo é a Bahia”, diz.
Ela defende que a responsabilidade não é apenas das instituições policiais, como dos demais órgãos de controle da atividade, como Judiciário e Ministério Público, que poderiam propor outros padrões de atuação, além de ouvidorias que se revelam extremamente frágeis.
Em sua análise, os debates por uma política institucionalizada devem ser aprofundados, e esse é o principal mérito da PEC 51/2013, de autoria do Senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que fala em desmilitarização, mas principalmente em carreira policial única. Samira acredita que essa pode ser a oportunidade de colocar na agenda um tema ignorado quando da construção da Constituição Federal de 1988, embora veja dificuldades na aprovação do texto, que pode ser considerado radical pelo Congresso Nacional ou mesmo esbarrar no corporativismo policial. “É um tema espinhoso e que implica em comprar algumas brigas”, pondera.
Relação entre violência e ação policial em outros países
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, cerca de 400 pessoas são mortas pela polícia a cada ano. O país tem uma forte cultura pela arma de fogo: 88,8 entre 100 americanos possuem um tipo de armamento – número 10 vezes maior que o Brasil, por exemplo. Por outro lado, a taxa de homicídios é 80% menor que aqui, com 4,7 mortes por 100 mil habitantes. Ainda assim, nos últimos três anos, foi registrado avanço de 65,22% na criminalidade. A polícia atua com um grupo especial, a SWAT, mais de 15 mil unidades municipais, nas quais há divisões por departamentos, mas em uma hierarquização bem menor do que se vê por aqui.

Reino Unido
Dois policiais mortos em serviço nos últimos sete anos e apenas três disparos efetuados entre maio de 2012 e abril 2013. Os baixos índices de criminalidade no Reino Unido atestam a restrição às armas de fogo em território britânico, além da menor pobreza e desigualdade social. Somente 5% dos homicídios no Reino Unido envolvem a presença de armas de fogo. A polícia britânica usa artigos de menor potencial ofensivo, incluindo a Taser, uma arma de choque elétrico. Somente oficiais com treinamento específico usam armas de fogo, mas eles representam apenas 5% do total da tropa.

África do Sul
O cenário sul-africano registra uma taxa de homicídios de 34 por 100 mil habitantes – superior à brasileira. Nos últimos três anos, houve aumento de 78,12% na criminalidade. Desigualdade social, banalização da violência, ineficiência e corrupção do sistema judiciário e vulnerabilidade.

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