A ação do tráfico de drogas no Brasil já não se restringe ao Centro-Oeste e ao Sudeste do País. Nos últimos meses, a Polícia Federal (PF) brasileira entrou em sinal de alerta para desmantelar uma rota que utiliza o Nordeste como principal corredor para o transporte de drogas rumo à África.
O destino dos entorpecentes, vindos da Colômbia e da Bolívia, é Cabo Verde, país situado em arquipélago no oeste africano cuja capital é Cidade de Praia. De lá, praticamente toda a droga que chega é levada para a Europa.
Desde que um voo direto foi inaugurado, ligando Fortaleza à Cidade de Praia, segundo a PF, no fim de 2013, a ação dos traficantes se intensificou na região. A vigilância no Aeroporto Internacional Pinto Martins foi intensificada, tanto no setor de passageiros quanto no de cargas.
O delegado Janderlyer Gomes de Lima, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal no Ceará, afirmou ao R7 que nos últimos anos o país africano se tornou uma rota natural a partir do Nordeste. Ele destacou que os traficantes pertencem à chamada Máfia Nigeriana, cuja estrutura, ramificada, é muito difícil de desmantelar. Só no ano passado, ele disse que mais de dez pessoas foram presas.
— Já detectamos a ação de traficantes e conseguimos prender integrantes das quadrilhas atuando em Fortaleza. A Máfia Nigeriana é baseada em São Paulo, mas tem uma característica diferente, por exemplo, da Máfia Italiana. São células pequenas, quadrilhas fragmentadas, seguindo um padrão africano, com muitos dialetos, uma máfia bastante recortada.
O cientista social colombiano Alejandro Villanueva Bustos, da Universidade Antonio Nariño, da Colômbia, estuda há alguns anos a ação dos narcotraficantes no país. E afirma que a nova geração do tráfico colombiano está utilizando quatro rotas para desovar a droga, sendo que uma delas é pelo Nordeste brasileiro.
— Eles contam com apoio de paramilitares que, em troca de propina, permitem o transporte da droga. Uma rota é direcionada aos Estados Unidos, pelo México. Outra vai pela Venezuela, Ilhas do Caribe, África e chega à Europa. A terceira passa pela Bolívia, Argentina (Buenos Aires) e também vai até a Europa. A quarta é a brasileira, via Nordeste, de cidades como Recife, Salvador e Fortaleza, com a droga chegando à África, em Cabo Verde, e depois indo para a Europa. Não há muita diferença entre elas. No fim das contas, quando a droga é vendida, o lucro vem da mesma maneira.
Óleo de cozinha
Reforçando a informação de Bustos, o delegado de Fortaleza diz que o caminho dos entorpecentes é mais do que sabido, já em relação aos corredores pelo Brasil. A droga chega a São Paulo, ingressando no País após atravessar a região andina e a fronteira brasileira, vinda de países como a Bolívia, pelo Centro-Oeste, e a Colômbia, pelo Norte. A conexão com traficantes colombianos e bolivianos é em geral indireta.
— Países como a Colômbia são os produtores. Os traficantes ficam por lá. A droga chega ao Brasil pelas fronteiras com Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e também pelo Amazonas. Em São Paulo, há os intermediários, da Máfia Nigeriana, que têm ramificações em Fortaleza e em outras cidades do Nordeste. O delegado afirma que as chamadas "mulas" levam a droga, neste caso a cocaína, para Cabo Verde. Na maioria das vezes, este serviço é feito por alguns africanos, moradores da costa do continente.
— Eles são contratados pela Máfia Nigeriana para fazer o transporte. Este tipo de tráfico, segundo Lima, muitas vezes consegue driblar a vigilância. Os traficantes estão sempre descobrindo técnicas novas para esconder a droga.
Ele conta que já foi apreendida, por exemplo, cocaína líquida, idêntica ao óleo de cozinha, introduzida em uma garrafa de plástico.
— Além de métodos mais conhecidos, de levar escondido nas roupas, ou em bagagens, há os inusitados, por exemplo, dentro de peças de veículos. Já pegamos droga sendo levada dentro de rodas esportivas, ou tetos montáveis. Cocaína com aparência de creme corporal e dentro de enlatados também já foi descoberta.
Segundo Lima, a Polícia Federal tem feito um verdadeiro pente-fino nos dias de voo com destino a Cabo Verde.
— Fortalecemos a fiscalização dos voos, também há um aumento do número de policiais e uma anotação da lista de passageiros. Ficamos atentos àqueles que compram passagens de última hora, ou que pagam à vista e em dinheiro e a uma série de outros itens.
Dificuldade e integração da PF
Foi implantando ainda o método de scanner corporal, tecnologia na qual o Ceará é um dos pioneiros na utilização, implementada na Casa de Privação de Liberdade III, que fica em Itaitinga, na Grande Fortaleza. O scanner revela todos os detalhes do corpo, detectando celulares, chaves e qualquer outro produto.
— Há casos de ingestão de cápsulas da droga e o scanner consegue detectar. Contabilizamos mensalmente pelo menos uma prisão de traficantes nesta rota. Outro fator que dificulta é a característica desta máfia, que atua com várias pessoas, às vezes em um mesmo voo, levando uma quantidade considerada pequena da droga.
Que, na somatória, se torna grande, chegando até a 600 kg por ano só em Fortaleza, segundo o delegado.
— Muitas vezes pegamos um passageiro com drogas e, neste mesmo voo, pode haver dois ou três outros que não foram detectados, devido às técnicas novas de transporte, que dificultam. Nem sempre conseguimos pegar, é algo complicado e de difícil elucidação.
Lima observa que há uma grande integração da Polícia Federal em vários Estados do Nordeste e do Norte, incluindo cidades estratégicas como Recife, Salvador e Natal, onde, segundo ele, há também a ação de traficantes.
— Dependemos muito da área de Inteligência, que está muito atuante. Cada superintendência tem uma delegacia especializada em tráfico de entorpecentes, que também tem um setor de inteligência específico. Rastreamos rotas, portos, aeroportos, identificamos despachantes, estamos bem integrados com a Receita Federal, para confiscos. A rota do Nordeste existe. Mas, se fosse simples, já teríamos desvendado. A investigação é complexa.
* R7
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