segunda-feira, 31 de março de 2014

Leilão em site revela tráfico de fósseis na bacia do Araripe/CE

Image-0-Artigo-1577311-1Crato. Tráfico de fósseis ainda não é coisa do passado, quando se trata de material coletado da própria Bacia Sedimentar do Araripe. Algo que preocupa principalmente pesquisadores que atuam na região. Mais uma vez situações relacionadas à essa questão vêm à tona quando uma peça de grande valor para ciência, e comercialmente valorizada, principalmente para colecionadores, aparece em sites internacionais sendo leiloados.

Em fevereiro deste ano, um fóssil de um pterossauro estava sendo comercializado por meio da loja francesa Geofossiles, na cidade de Charleville-Méziéres, que realiza leilão no Ebay. No valor de R$ 600 mil, o fóssil é uma peça rara, de mais de 120 milhões anos. Raramente poderá voltar ao Brasil. Segundo pesquisadores da área, o fóssil do Cretáceo Inferior tem 1 metro do crânio até o rabo e 3 metros de envergadura.
Image-1-Artigo-1577311-1A Bacia do Araripe é reconhecida mundialmente pela grande quantidade de fósseis, inclusive pelo bom estado de conservação. O destaque dos pterossauros já atraiu pesquisadores renomados no mundo, a exemplo do cientista Alexander Kellner, que tem realizado diversas descobertas a partir do material raro encontrado na região.
O fortalecimento de meios que inibam esse tipo de tráfico é uma das alternativas defendidas pelo professor doutor da Universidade Regional do Cariri (Urca), Álamo Feitosa. Segundo ele, ainda não se deixa muito claro a forma como deve ser defendido esse patrimônio, inclusive no que diz respeito ao trato da pesquisa.
Ele lamenta que novamente notícias do gênero ocorram em relação ao patrimônio paleontológico da região. Segundo o pesquisador, torna-se necessário uma política efetiva de defesa do patrimônio, através dos órgãos fiscalizadores. "Não culpo o industrial que está realizando o seu trabalho, explorando nas minas, mas o órgão fiscalizador, que deve cumprir o seu papel com medidas mitigadoras, em áreas de união, no intuito de minimizar o impacto ambiental", salienta.
Um dos argumentos que normalmente se defende pelas pessoas que conseguem levar da região as peças de alto valor científico e comercial, é que esse material saiu do Brasil antes da lei que proíbe o tráfico. "E isso não se pode, na maior parte das vezes, comprovar", diz o professor, que coordena uma das maiores escavações controladas do Nordeste na área da Bacia Sedimentar. Essa peça comercializada é mais uma dentro do que normalmente tem ocorrido com grande parte dos fósseis que poderiam dar uma contribuição representativa para a ciência.
Há cerca de cinco anos, o crânio de pterossauro em perfeito estado estava sendo leiloado por meio de um site de Nova Iorque, no valor de R$ 1,2 milhões. Mesmo com o pedido de repatriamento, essas peças dificilmente voltam. Segundo Álamo, o que mais chama a atenção é o grau de perfeição desses fósseis.
A última grande apreensão ocorreu no interior de São Paulo, há cerca de cinco meses, com mais de 60 peças, ainda não retornou, mesmo com o pedido formal de devolução junto à Policia Federal, por meio da Urca, para o Museu de Paleontologia de Santana do Cariri.
O espaço conta com mais de 9 mil peças e é o local de salvaguarda do patrimônio fossilífero. Para se ter uma ideia, a peça símbolo do museu, uma libélula em perfeito estado, encontra-se no Museu de Nova Iorque. Por aqui só mesmo a imagem. A loja francesa se diz especialista em fósseis 'mamíferos do mundo', ressaltando ser um réptil da Bacia do Araripe que está sendo comercializado. A Geofossiles foi criada em 2009. A comercialização de fósseis em alguns países como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha é permitida. "Não é de admirar que isso ocorra em outros lugares, em se tratando de fósseis brasileiros, mas com a certeza de que pesquisadores poderão não ver mais aquela página da história da humanidade, que muitas vezes vai parar nas mãos de uma pessoa que não ideia do que represente", explica Álamo. Ele ainda ressalta que no Brasil não se proíbe a venda de fósseis de outros países, apenas do Brasil. Na região mesmo, conhece pessoas que comercializam peças de outros lugares. Já na Argentina, explica que essa situação consegue ser mais controlada, por conta do rigor da lei. Para o chefe do escritório do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), na região, Artur Andrade, o tráfico hoje é mais sofisticado, e a ação criminosa é para levar os fósseis de maior valor.
Atualmente, para fortalecer a fiscalização, ele afirma que tem sido feito um trabalho integrado, incluindo órgãos como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para agir de forma conjunta, caso sejam constatadas irregularidades nesse sentido. O DNPM é imediatamente acionado. Muitos exemplares de fósseis raros do Araripe só podem ser contemplados de longe.
Hoje, uma dessas peças se encontra na sala da presidência da Honda, no Japão. É um crocodilo completo (Cariri suchos) com achado registrado em 1955, único da espécie encontrado até hoje, e que serve de adorno de sala e disponível para os que podem admirá-lo.
Muitos pesquisadores brasileiros têm de realizar estudos fora do País, em museus internacionais, como em Nova York, na Inglaterra e até mesmo fora da região, como é o caso do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. "Aqui poderia ser um centro das pesquisas, atraindo estudiosos do mundo inteiro. Mas essa condição se encontra no estrangeiro, e com muitos dos nossos fósseis", lamenta Álamo. O pesquisador destaca a qualidade dos fósseis por serem tridimensionais. No caso do crocodilo, o nível de informações deve ser de grande valor para a ciência. Essa peça pode ter saído da região nos anos 70.
A possibilidade de se encontrar uma semelhante, conforme o Álamo, é a mesma de se ganhar na loteria. Para Artur, as pessoas que traficam sabem o valor desse material e não iriam se arriscar em levar as peças comuns, a exemplo das 'pedras de peixe', que em décadas passadas chegaram a sair em carradas de caminhonetes da região. Na última operação da Polícia, há cerca de seis meses, foram presos estrangeiros e brasileiros inclusive de Santana do Cariri e Nova Olinda, o que dá indícios de uma rede atuando no tráfico. A partir daí, foi encaminhado pedido, por meio da Policia Federal, de devolução do material. Poderia estar aqui três meses depois, mas já se soma quase o dobro do período. Álamo defende que a fiscalização atue de forma mais incisiva, principalmente nas minas.
Ano passado, o projeto Jovens Paleontólogos chegou a colher mais de 3 mil peças, demonstrando que, em termos de fragilidade, no que tange à cobertura da retirada desse material, ainda se deixa muito a desejar. Os mineiros doaram os achados.
E fica o questionamento em relação a grande quantidade achada, ocasionalmente, em épocas anterior. O rico acervo a céu aberto, ainda parece estar bastante desprotegido. (ES)
Mais informações:
Departamento Nacional de Produção Mineral - Museu de Fósseis

Praça da Sé, Centro, Crato
Telefone: (88) 3521.1619

FOTOS: ELIZÂNGELA SANTOS
Fonte: Diário do nordeste

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