A alta no preço da energia até 2015 deve fazer com que os consumidores brasileiros percam, pelo menos temporariamente, o desconto médio de 20% nas contas de luz proporcionado pelo plano de barateamento anunciado em 2012, e que começou a valer no ano passado. A estimativa está em uma auditoria sobre o setor elétrico feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e que foi divulgada nesta quarta-feira (1º).
O documento também informa que os empréstimos bancários, no valor de R$ 17,8 bilhões, tomados pelo governo neste ano para socorrer as distribuidoras, devem custar aos consumidores R$ 26,6 bilhões, devido aos juros. Essa conta será repassada à tarifa de luz entre 2015 e 2017, conforme o G1 antecipou.
O relatório dessa auditoria foi votado pelo plenário do TCU nesta quarta. Devido a irregularidades no setor elétrico encontradas pelos técnicos do tribunal, foi aprovado um pedido de explicações ao ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. O plenário também determinou que o MME e o Ministério da Fazenda regularizem repasses para cobrir gastos do setor, que estão atrasados.
De acordo com o documento, o custo médio do megawatt-hora para consumidores residenciais no país em 2012 – portanto antes do plano de barateamento – estava em R$ 339. No início de 2013, com o desconto proporcionado pela medida do governo, caiu para R$ 277 (-18%).
Com a disparada no preço da energia nos últimos meses, esse valor deve chegar a R$ 325 ao final de 2014 e a R$ 374 em 2015, superando, assim, o custo do MWh registrado antes do plano de barateamento (R$ 339).
A perda do desconto também vai atingir a indústria, maior beneficiada pelo plano do governo – a principal meta era permitir mais competitividade aos produtos brasileiros por meio da redução no custo da energia.
De acordo com o relatório do TCU, o preço do MWh para a indústria no Brasil estava em R$ 265 em 2012 e caiu para R$ 209 em 2013 com a medida do governo (queda de 21%). Agora, a previsão é que suba a R$ 242 em 2014 e chegue a R$ 276 em 2015, novamente cobrindo todo o desconto conquistado com o barateamento da eletricidade promovido pelo governo.
“Após a edição da MP 579 [que instituiu o plano de barateamento da energia], com todos os reajustes e revisões tarifárias, somados aos custos conjunturais decorrentes da hidrologia [chuva] desfavorável e ao intenso despacho de térmicas e, ainda, a tendência de elevação do PLD [preço da energia no mercado à vista], a redução média de 20% no valor das tarifas ocorrida em 2013 estará ultrapassada já ao final de 2015, uma vez que as tarifas residenciais e industriais alcançarão patamares superiores aos existentes antes da edição da referida MP”, diz o relatório do TCU.
Como o desconto de 20% é permanente, após o pagamento dos gastos extras que estão pressionando as tarifas, as contas de luz podem voltar a cair. Por isso o aumento nas tarifas, nos patamares estimados pelo TCU, deve ser temporário.
O plano
Em janeiro de 2013, o governo promoveu corte médio de 20% nas contas de luz. Para chegar a esse resultado, renovou a concessão de hidrelétricas e linhas de transmissão de energia que vencem entre 2015 e 2017, com a condição de que o preço do serviço prestado por esses concessionários sofresse redução significativa. Além disso, houve retirada de encargos que incidiam sobre a conta de luz, que passaram a ser cobertos pelo Tesouro.
Essas medidas levaram a um corte de cerca de 70% no preço de parte da energia consumida no país. O governo repartiu essa energia mais barata entre todas as distribuidoras e, assim, houve queda nas contas de luz.
De lá para cá, porém, o setor elétrico brasileiro vem sofrendo uma crise provocada pela queda significativa no armazenamento de água das principais hidrelétricas do país, resultado da falta de chuvas. Um dos efeitos disso é que, para poupar água dos reservatórios das hidrelétricas, o governo vem autorizando o funcionamento de todas as termelétricas disponíveis. Movidas a combustíveis como óleo e gás, essas termelétricas geram energia mais cara, que impacta as contas de luz.
A estiagem também levou o preço da energia no mercado à vista a preço recorde em 2014, atingindo diversas distribuidoras que não tinham sob contrato, a preços fixos, toda a energia que precisam para atender a seus consumidores. Para socorrê-las, o governo fez dois empréstimos bancários, no valor de R$ 17,8 bilhões, que será repassado às contas de luz entre 2015 e 2017.
Ainda de acordo com o relatório do TCU, esses empréstimos vão custar aos consumidores R$ 26,6 bilhões.
Gastos extra é 3,6 vezes maior que desconto
A auditoria do TCU estima que o plano do governo conseguiu promover uma redução estrutural de R$ 16,8 bilhões ao ano nas tarifas de energia, que levou ao corte médio de 20% aos consumidores.
Entretanto, aponta o relatório, gastos extras no setor elétrico, inclusive provocados por “mudanças advindas da MP 579”, devem somar, entre 2013 e 2014, R$ 61 bilhões. Esse valor é 3,6 vezes maior que a economia proporcionada pelo plano de barateamento de energia. Entre os gastos extras estão os dois empréstimos, que somam R$ 17,8 bilhões (R$ 26,6 bilhões), para socorrer as térmicas.
“Estima-se que, para sustentar as mudanças advindas da MP 579, foram gastos, em 2013, R$ 25 bilhões e, em 2014, serão gastos R$ 36 bilhões, o que totaliza R$ 61 bilhões, enquanto a MP 579 conseguiu reduzir estruturalmente apenas R$ 16,8 bilhões ao ano da tarifa”, diz a auditoria do TCU.
Como a redução é estrutural, isso significa que, depois que esses gastos extras forem pagos e o preço da energia voltar a baixar, a tarifa de luz deve retornar ao patamar menor, com o desconto de 20% proporcionado pelo plano do governo.
Ausência de leilão
De acordo com o TCU, pelo menos parte da alta nas contas de luz observada agora é reflexo do processo para adoção do plano de barateamento da energia em 2012. O tribunal aponta que, ao contrário do previsto, o governo deixou de realizar, naquele ano, um leilão em que as distribuidoras contratariam energia para atender ao aumento da demanda nas áreas que atendem. O leilão não foi feito porque o governo avaliava que a energia mais barata do plano cobriria toda essa necessidade.
Mas três empresas – Cesp, Cemig e Copel – não aderiram ao plano do governo e a quantidade de energia mais barata foi menor que a demanda apresentada pelas distribuidoras. Essas empresas foram então obrigadas a comprar a energia que faltava no mercado à vista a partir de 2013, quando ela já estava mais cara devido à situação dos reservatórios.
A auditoria aponta “inércia” do governo na realização de um leilão para cobrir a demanda por energia e diz que a necessidade das distribuidoras recorrerem ao mercado à vista, além de configurar descumprimento de norma do setor, “causou enorme prejuízo aos consumidores.”
Por conta disso, os ministros do TCU aprovaram pedido para que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, explique a não realização do leilão de energia em novembro de 2012 e o consequente prejuízo provocado pela descontratação de parte das distribuidoras.
Conta de Desenvolvimento Energético.
De acordo com o TCU, esses R$ 61 bilhões de gastos extras estimados para 2013 e 2014 são para cobrir compromissos assumidos pelo governo via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo usado para repasse de recursos a diversos projetos no setor, entre eles subsídios às tarifas pagas por famílias carentes, compra de combustível para uso em termelétricas que atendem à região Norte do país e o pagamento de indenizações.
Boa parte desse valor tem sido aportada pelo Tesouro, ou seja, por meio de dinheiro dos impostos. Entretanto, o TCU registra que parte das despesas da CDE não vem sendo paga devido a atrasos em repasses do Tesouro, o que deixa “comprometida” a sustentabilidade do setor elétrico.
O documento aponta que, até 2 de junho de 2014, havia R$ 7,7 bilhões de despesas assumidas pelo governo via CDE “pendentes de pagamento.” A despesa mais afetada é a relativa à compra de combustível para abastecer as térmicas que atendem à região Norte. Segundo o tribunal, os atrasos nos repasses do Tesouro tem provocado ainda déficit no caixa da Eletrobras, que administra parte dessas despesas.
“A sustentabilidade do setor elétrico está comprometida, pois depende dos aportes do Tesouro Nacional que, por sua vez, são inconstantes e dissociados da data da realização das despesas, resultando, assim, em atrasos sistêmicos nos múltiplos compromissos assumidos pela CDE”, diz o relatório.
Os ministros do TCU aprovaram nesta quarta que os ministérios de Minas e Energia e da Fazenda "envidem esforços no sentido de regularizar tais repasses."
* Folha do Sertão/G1
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.