quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Pela segunda vez, PMDB conquista a Presidência sem o batismo das urnas

Por Josias de Souza
O PMDB demonstrou que um raio cai duas vezes no mesmo lugar. Pela segunda vez em três décadas, o partido chega à Presidência da República sem passar pela pia batismal das urnas. Em 1985, prevaleceu com Tancredo Neves na eleição indireta do Colégio Eleitoral. Decorridos 31 anos, vai ao trono com Michel Temer graças à vontade dos senadores que decidiram encurtar o mandato de Dilma Rousseff.

No caso de Tancredo, o vento da rua soprava a favor. Frustradas com a rejeição da emenda das Diretas Já, as multidões avalizavam o representante do PMDB como a melhor alternativa para livrar o país da ditadura. Mal comparando, Temer está mais para José Sarney, o vice que herdou o Planalto depois da morte de Tancredo. Assim como Sarney, Temer não viraria chefe do Executivo se dependesse do voto.
Temer chegou à Câmara em 1987. Mas só se elegeu com suas próprias pernas em 1995. Nas duas eleições anteriores –1986 e 1990— seus votos só lhe renderam a suplência. Foi a Brasília porque os titulares deixaram os cargos. Em 2006, ano de sua última eleição para deputado, Temer amealhou cerca de 99 mil votos. Voltou à Câmara graças ao socorro do chamado quociente eleitoral, índice que contabiliza sobras das urnas da coligação partidária.
Temer expressa-se em português requintado —com mesóclises e sem nomes feios. Tem uma dificuldade quase fonoaudiológica de elevar a voz. É lhano nos modos e cerimonioso no trato. Cavalgando essas características, chega à Presidência como líder partidário, não como líder popular. Presidiu a Câmara três vezes. Tem trânsito fácil em todas as legendas. Possui densidade política, não eleitoral.
Na certidão de nascimento, o PMDB era apenas MDB. Veio à luz em 1966, quando o governo militar decidiu dissolver a penca de partidos e autorizar o funcionamento de apenas dois —um a favor e outro contra. Em 50 anos de existência, a legenda disputou a Presidência da República em eleições diretas apenas duas vezes.
Numa, em 1989, Ulysses Guimarães amealhou irrisórios 4,7% dos votos válidos. Noutra, em 1994, Orestes Quércia arrebanhou ínfimos 4,4%. Desde então, o PMDB é prisioneiro de um paradoxo: maior partido do país, optara por ser subalterno. Há mais de duas décadas que não lança um candidato à Presidência da República. Virou sócio minoritário de presidências do PSDB e do PT.
No início do seu segundo mandato, Dilma encantou-se com um conselho do petista Aloizio Mercadante. Encomendou a dois ministros —Gilberto Kassab (Cidades) e Cid Gomes (Educação)— a costura de uma nova maioria congressual que não fosse tão dependente do PMDB. E instigou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) a disputar o comando da Câmara com Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Deu no que deu.
Especializada numa modalidade pessoal de esporte, o tiro ao pé, Dilma inaugurou um novo sistema de governo: o presidencialismo sem presidente. Como poder vazio é algo que não existe, Eduardo Cunha ocupou os espaços. E a pupila de Lula foi apresentada a uma fatalidade histórica: no Brasil pós-redemocratização, sempre que um presidente achou que poderia engolir o PMDB, foi mastigado.
Quando joga a favor, a legenda fornece estabilidade congressual. Contra, vira uma força desestabilizadora. Temer virou presidente interino. Mercadante foi ao olho da rua. Kassab traiu Dilma, demitiu-se do ministério, jogou o seu PSD na trincheira do impeachment e voltou à Esplanada sob Temer. Cid Gomes virou pó bem antes, em março de 2015, numa queda de braço com Eduardo Cunha.
Lula tentou pacificar o PMDB. Mas Mercadante dinamitou a iniciativa. Aconselhada por seu padrinho politico, Dilma terceirizou a coordenação política do seu governo a Temer. Entretanto, esquerceu de retirar Mercadante do caminho do vice (ou lembrou de mantê-lo como estorvo). Temer deu por encerrada sua missão, endereçou uma carta desaforada a Dilma e trancou-se em seus rancores.
“…Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, anotou Temer em sua carta. Escrita em dezembro de 2015, essa carta funcionou como um spray de gasolina na fogueira do impedimento. Em oito meses, o PMDB triturou a presidência de Dilma. É golpe, gritam o PT e seus súditos. É o remédio constitucional, respondem Temer e Cia..



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