quinta-feira, 17 de abril de 2014

Vaiados durante treinamento, PMs acionam bomba, e gás invade escola no Rio


A escola que teve o pátio e algumas salas tomadas pelo gás após passagem de policiais. Direção vai mandar ofício ao Batalhão de Choque pedindo esclarecimentos
Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — Faltava pouco para o recreio do turno da manhã e alguns alunos do Centro Educacional Anísio Teixeira, o Ceat, que funciona em um castelinho de estilo florentino em Santa Teresa, tinham deixado as salas de aula e ido para o pátio. Já acostumados à paisagem deslumbrante que cerca o colégio — de certos ângulos, descortina-se o Pão de Açúcar, de outros, o Corcovado —, um grupo de estudantes preferiu nesta quarta-feira passar o intervalo observando o treinamento de cerca de 30 policiais do Batalhão de Choque, que marchavam pela Rua Almirante Alexandrino, diante da escola, carregando uma maca e simulando socorro a um ferido. Alguns jovens, todos do Ensino Médio, vaiaram a tropa.
O que aconteceu em seguida ninguém sabe dizer se foi proposital ou acidental, mas o fato é que uma bomba de gás lacrimogêneo foi acionada bem diante do Ceat, que tem cerca de 640 estudantes. O gás invadiu não só o pátio, como também algumas salas de aula, obrigando alunos, com os olhos ardendo, a se protegerem com suas camisetas e saírem para o corredor.
— Era tanta fumaça que não entendi nada. Pensei que fosse o fumacê para mosquito. Saí da sala e fui para o corredor e só aí soube que tinha sido a polícia. A sorte é que as criancinhas de 3, 4 anos, não estavam lá fora. Imagina só como seria — contou uma aluna do 2º ano do Ensino Médio.
Nuvem invadiu até salas de aula
A nuvem de gás virou assunto entre os estudantes nesta quarta-feira. À tarde, quem presenciou a explosão do artefato dava detalhes a quem não tinha visto: segundo L., também do 2º ano, um policial, que estava atrás dos demais, retirou a bomba de uma caixa e a acionou. Depois que o gás foi disperso, ele teria recolhido o material e posto de volta na caixa. Os alunos não têm dúvidas de que foi uma retaliação à vaia, mas a escola é mais cautelosa. A diretora Emília Fernandes, que estava fora do colégio no momento do incidente, disse que um funcionário fez contato com o Batalhão de Choque e foi informado que houve, de fato, um treinamento na rua, e que bombas eram jogadas aleatoriamente no caminho, inclusive na mata. Frisando que a bomba não foi jogada dentro do colégio, ela disse que mandará um ofício à PM pedindo mais esclarecimentos:
— Isso assustou os meninos. Ainda não sei detalhes, mas se tiverem de fato jogado uma bomba em frente à escola, é inadmissível. Mas não gostaria que isso virasse notícia de jornal. O Ceat quer aparecer por formar cidadãos, não por fazer parte de uma confusão dessas.
Segundo especialistas em segurança pública, no entanto, os cariocas têm que se acostumar a fazer parte de uma cidade cada vez mais militarizada, com treinamentos frequentes.
— Em outros momentos, no passado, se fazia acordo com bandidos. Hoje, quando o tráfico perdeu território e tem feito de tudo para tentar retomá-lo, é preciso que as polícias treinem intensamente. A escolha do local de ontem (quarta-feira) é que foi pobre. A área das Paineiras tem pouco movimento e seria até um lugar adequado, se não tivesse um colégio no caminho. Mas a escola está lá, e essa informação não foi levada em conta — diz o sociólogo Gláucio Soares, lembrando, ainda, que os treinamentos devem ser cada vez mais frequentes com a proximidade da Copa e das Olimpíadas. — Em todo o mundo se faz isso, principalmente às vésperas de eventos.
Sociólogo: críticas à imagem de guerra
Para o sociólogo Ignácio Cano, a militarização a que o Rio assiste não vem de hoje. Segundo ele, a visão que se tem de segurança pública na cidade é calcada em uma imagem de guerra, onde há inimigos a serem derrotados.
— A militarização é antiga e temos até uma espécie de caveirão dentro da Polícia Civil (o veículo da Core). Além disso, a presença do Exército é sempre lembrada quando se tem crise. Agora, estão na Maré, mas já tivemos militares no Alemão, no Morro da Providência — disse Cano, que também criticou o treinamento diante de uma escola. — A frente da escola, obviamente, não é local onde se possa ter um treinamento, que deve ser feito em local isolado.
O episódio foi criticado também por educadores. Diretora-executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz diz que o incidente é uma prova de que a escola e o aprendizado são pouco valorizados no Rio e no país.
— Todas as escolas e seus arredores deveriam ser bem cuidados, mas elas não são vistas como importantes pela sociedade em geral. E a polícia permitir que um colégio seja invadido por gás lacrimogêneo só reforça essa impressão, de que ninguém liga para a educação — lamenta.
Perguntada sobre a bomba acionada diante do colégio, a assessoria de imprensa da PM disse, em nota, que o subcomandante do Batalhão de Choque “tem conhecimento do ocorrido e vai ouvir os policiais para apurar as responsabilidades do fato”. Segundo a PM, nesta quarta-feira terminou o curso de controle de distúrbios civis, que percorreu toda a Rua Almirante Alexandrino até o Cristo Redentor.
O comandante do Choque, tenente-coronel André Vidal, disse não ter sido informado sobre o problema diante da escola.
— Se aconteceu isso, não houve dolo, foi uma falha técnica do instrutor. Algum instrutor não viu a escola — disse o comandante, observando que é comum nos treinos a detonação de bombas. — É para criar estado de atenção nos alunos, para que eles lidem com as adversidades.
Deseducando jovens Para o presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Rio, Edgar Flexa Ribeiro, a detonação de uma bomba perto de uma escola é uma atitude não só reprovável pelo risco de machucar uma criança, mas também pelo lado educacional. A Informação é jornal o Globo.
— Se os alunos estavam vaiando os policiais, o certo seria que o comandante do treinamento entrasse na escola, procurasse a direção e conversasse sobre a necessidade de se respeitar a polícia. Seria educativo, provocaria um debate.
Sem saber se a bomba foi detonada intencionalmente ou não, o professor afirmou que o episódio, de uma forma ou outra, ajudou a deseducar:
— Se uma bomba é detonada diante de um colégio, logo após uma vaia, o que os alunos vão pensar? Que confiança eles vão ter na polícia? Ela ensina pessoas a não gostarem dela, a não confiarem?


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