Justiça manda soltar presos por incêndio que matou 242 na boate Kiss
A 1ª Câmara Criminal do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) concedeu liberdade provisória aos quatro réus presos após o incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria, no dia 27 de janeiro deste ano. O decisão da Justiça ocorreu na tarde desta quarta-feira (29).
Segundo o relator do processo, desembargador Manuel Martinez Lucas, o argumento para pedir a prisão preventiva de dois músicos e dois sócios da boate, em janeiro --a manutenção da ordem pública--, não tem mais fundamento. Para o magistrado, além de não se verificar na conduta dos réus qualquer "traço excepcional de maldade", também não se pode apontar neles qualquer periculosidade, "pois, pelo que se tem, são pessoas de bem, sem antecedentes criminais".
O habeas corpus determinou a soltura do músico da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e do produtor do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, do proprietário da Kiss, Elissandro Spohr, o "Kiko", e de seu sócio, Mauro Hoffmann. Eles devem deixar o sistema prisional ainda nesta quarta.
"Não se vislumbra na conduta dos réus elementos de crueldade, de hediondez, de absoluto desprezo pela vida humana que se encontram, infelizmente com frequência, em outros casos de homicídios e de delitos vários, afirmou o desembargador, na decisão.
O advogado Gilberto Carlos Weber, que representa Bonilha Leão, não viu a decisão com surpresa. "Não é uma grande surpresa para mim essa concessão [de soltura] do tribunal. Era um fato que, desde o início, eu defendi, que eles pudessem responder ao processo em liberdade. Se houver condenação, será algo futuro."
O advogado Mário Cipriani, defensor de Mauro Hoffmann, afirmou que a decisão era esperada.
"Para nós, mais do que esperada, essa decisão era uma medida necessária. Com isso, o tribunal gaúcho reafirma sua condição de isenção e restabelece o processo democrático. Estou a caminho de Santa Maria, me dirigindo ao presídio regional, para efetivar a soltura do Mauro. Estamos aliviados, mas era uma notícia que já esperávamos,fundamental para o processo democrático."
NÚMEROS DA TRAGÉDIA
242 mortes
622 feridos
864 pessoas na boate
3h17
(hora do incêndio)
Promotor teme por fuga
Em entrevista ao UOL, o promotor que assinou a primeira denúncia contra os quatro acusados, Joel Oliveira Dutra, de Santa Maria, se disse ter recebido a informação "com tristeza e surpresa".
Na avaliação de Dutra, "há duplo risco envolvido na soltura do grupo: "Eles têm consciência daquilo que fizeram e muito possivelmente há um risco grande de desaparecerem do Estado ou do país em um dois dias", disse, para completar: "Além disso, como mataram 242 pessoas, foram 242 famílias atingidas pela ação desses presos. E o risco sempre existe para quem mata uma pessoa", disse.
Dutra disse acreditar que o MP gaúcho apele da decisão ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).
A assessoria do MP-RS em Porto Alegre informou que, como ainda não teve acesso ao acórdão da decisão e nem foi intimada sobre ela, não pode se manifestar. A previsão do órgão é que o acórdão seja publicado na próxima segunda-feira (3).
Delegado diz que prefere aguardar
O delegado Sandro Meinerz, de Santa Maria, um dos responsáveis pela investigação, disse que o inquérito da polícia já foi concluído. "Agora é com o MP. Mas ainda não tive acesso à decisão, não sei qual foi o argumento [da Justiça, para a libertação dos presos], se houve, por exemplo, alguma falha na denúncia. Estamos aguardando".
ONDE FICA
- Santa Maria está a 372 km de Porto Alegre
Relembre o caso
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, na madrugada de 27 de janeiro deste ano, deixou 242 mortos. Foi o segundo incêndio mais mortal e a quinta maior tragédia da história do Brasil.
A vítima mais recente, de número 242, morreu no último dia 19 de maio, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Mariane Wallau Vielmo, 25, que teve grande parte do corpo queimado e estava internada desde a época da tragédia, apresentou complicações devido aos enxertos de pele que precisou realizar e não resistiu às infecções.
O maior incêndio brasileiro aconteceu no Gran Circo Americano, em 17 de dezembro de 1961, que deixou 503 mortos em Niterói (RJ). Outras milhares de pessoas ficaram feridas por queimaduras de segundo e terceiro graus ou pisoteadas na correria após o incidente. A maioria das vítimas foram crianças.
A defensoria visava garantir que os bens de Eliseo Spohr, sócio oculto da boate, a GP Pneus e a Novaportal Comércio de Autopeças Ltda, empresas de Eliseo --pai de Elissandro Spohr, o Kiko, dono da casa noturna-- fiquem à disposição para o pagamento de pensões que vierem a ser solicitadas. Dessa maneira, Eliseo e as duas empresas também viraram réus na ação cível.
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