quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Jogo do bicho tinha a participação de policiais e R$ 3 milhões só de propina

Jogo do bicho movimentava milhões em Santos (Foto: Reprodução/TV Globo)
O jogo do bicho na Baixada Santista, no litoral de São Paulo, movimentou mais de R$ 80 milhões em um ano e meio, segundo o Ministério Público. De acordo com os promotores, o esquema só foi possível porque policiais civis receberam dinheiro para deixar o jogo rolar e ex-policiais militares fizeram toda a segurança para o grupo. A suspeita é que só em propina foram pagos quase em R$ 3 milhões de reais. Tudo sob o comando de um bicheiro, que em 2007, assumiu a banca do pai.

A vida de Carlos Virtuoso é só alegria, música eletrônica, amigos reunidos. Ele é conhecido como Carlinhos e mora em Santos, no litoral de São Paulo, mas vive em Roma, em Orlando, em Las Vegas. Ele faz viagens e vive na neve, na praia, e se possível, dentro de uma lancha ou tomando um drink a beira da piscina ou sempre andando de carros de luxo e helicópteros. Assim, Carlinhos Virtuoso está sempre com um sorriso no rosto.

Carlinhos Virtuoso dirigindo uma lancha (Foto: Reprodução/TV Globo)
Carlinhos Virtuoso dirigindo uma lancha
(Foto: Reprodução/TV Globo)
Carlos Virtuoso é bicheiro e, de acordo com Ministério Público Estadual, comanda, desde dezembro de 2007, uma organização criminosa que explora o jogo do bicho. O grupo de Carlinhos Virtuoso tem mais de 200 pontos de apostas, 148 em São Vicente, 46 em Santos, 23 em Praia Grande.
A quadrilha, segundo os promotores, tem um organograma com cinco núcleos. Um operacional, que faz os jogos, o da segurança, que faz o recolhimento do dinheiro, e formado por ex-policiais militares. Há também o núcleo policial, aquele que recebe propina para apoiar o crime, um grupo formado por policiais civis. O núcleo gerencial é o que faz o pagamento para os policiais. Já o da lavagem de dinheiro trata de dar a aparência lícita aos valores arrecadados ilegalmente. Tudo é centralizado na base de operações na Rua Batista Pereira, 194, em Santos.

Nas contas do Ministério Público, só no mês de maio deste ano, passaram por ali R$ 4.100 milhões. O dinheiro foi arrecadado com o jogo do bicho. E, se for fazer a conta de quanto à quadrilha movimentou entre outubro de 2011 e maio de 2013, o valor ultrapassa R$ 80 milhões.

O promotor Silvio Loubeh lembra que o jogo do bicho é ilegal e quem promove é contraventor. Para ele, o esquema só funcionou durante tanto tempo porque teve a ajuda de policiais civis e militares. “O que a investigação constatou é que todos os policiais que iam receber dinheiro ocupavam cargos de chefia. Isso, ao nosso entender, cria até um constrangimento para os demais policiais que trabalham sob a chefia dessas pessoas. Fica difícil de acreditar que um policial vai combater esse tipo de jogo quando o chefe dele está recebendo o dinheiro.

O grupo de Atuação Especial do Ministério Público monitorou por cinco meses a quadrilha de Carlinhos Virtuoso. Com autorização da justiça, os promotores gravaram as conversas de cinco policiais civis e um assessor do bicheiro, Adilson Vieira. Os promotores analisaram centenas de conversas, sempre para marcar um local de encontro. Em uma das conversas, quem fala é Agostinho Pereira, chefe dos investigadores do 7º DP de São Vicente:
Adilson Vieira: - Fala, meu irmãozinho!
Agostinho Pereira: - Ô, meu irmãozinho... daqui a cinco minutos eu to na igreja.
Adilson Vieira: - Tá legal!

Sempre depois da conversa, o encontro. Em todas as situações, os policiais vão embora com uma sacola preta. De acordo com o Ministério Público, é um saco cheio de dinheiro. Foi assim com o chefe dos investigadores do 7º Distrito Policial de Santos, Ademir Marques.

Adilson Vieira: - E aí? Tô na área!
Ademir Marques: - Então, eu tô saindo, é... Cinco minutinhos na esquina aí?
Adilson Vieira: - Ta feito...

Neste caso, Adilson Vieira, assessor do bicheiro Carlinhos Virtuoso, entregou o pacote preto dentro do carro.Marcelo França, chefe dos investigadores do 5º Distrito Policial de Santos, também ligou:

Marcelo França: - Opa, to na esquina, tá?
Adilson Vieira: - Tá legal, já to indo lá.

Ele estava na esquina recebendo o pacote e deu até um abraço no assessor do bicheiro, na hora de ir embora.
Um dos policais após receber dinheiro de propina (Foto: Reprodução/TV Globo)
Um dos policais após receber dinheiro de propina
(Foto: Reprodução/TV Globo)
Da mesma forma, agiram Adilson Júnior, que tem cargo de chefia na delegacia da Infância e Juventude de Santos, e Jorge Gomes dos Santos, chefe dos investigadores da Delegacia do Idoso. De acordo com a investigação do Ministério Público, os pagamentos eram feitos sempre em dinheiro, duas vezes por mês. A primeira, entre os dias 13 e 17 e a segunda entre os dias 27 e 31. Todos os policiais tinham a obrigação de passar o dinheiro para outros agentes, todos integrantes da Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Na central da quadrilha, o Ministério Público encontrou R$ 320 mil em dinheiro e planilhas que, segundo os promotores, mostram como era a divisão dos valores. Apenas na primeira quinzena deste ano, por exemplo, o policial Ademir Mira Marques, ganhou quase R$ 35 mil, distribuídos da seguinte forma: R$ 16 mil para a Deinter, o Departamento da Polícia da Baixada Santista, R$12.500 mil para a Seccional, que é uma delegacia regional. O próprio Ademir, chefe dos investigadores do 7º DP, ficou com R$ 1 mil. Nas contas do MP, em um ano e meio, os policiais civis embolsaram mais de R$ 2.659.540 milhões em propinas. O valor é pouco perto do que Carlinhos Virtuoso arrecadou, no mesmo período, R$ 80 milhões com o jogo do bicho, sem nenhum incômodo da polícia.

Carlinhos Virtuoso e os policiais civis foram ouvidos pelos promotores e se defenderam das acusações. Todos os policiais negaram envolvimento com o jogo do bicho e explicaram o que tinha dentro dos sacos pretos que, segundo o MP, era dinheiro. Já Carlinhos Virtuoso assumiu a banca do jogo do bicho do pai dele, mas que deixou a contravenção depois da investigação do Ministério Público. Ele também afirmou que, o lucro com o jogo do bicho é baixo e que todos os bens dele são herança e foram comprados com o dinheiro de atividades lícitas.

O policial Wilson Augusto, da Delegacia de Infância e Juventude de Santos, disse que foi ao encontro do assessor do bicheiro para buscar ração para gatos. O investigador Marcelo França, que trabalha há 20 anos na Baixada Santista, afirmou que nas sacolas pretas não tinha dinheiro e sim artigos ligados ao espiritismo. Agostinho Pereira, da Delegacia de São Vicente disse que, quando flagrado pelos promotores, estava comprando whisky e perfume. Já Jorge Gomes dos Santos, da Delegacia de Proteção ao Idoso, relatou que nos sacos pretos tinha chá para tratar de artrose. O quinto policial, Ademir Marques, chefe dos investigadores do 7º Distrito Policial de Santos, ficou calado quando os promotores perguntaram o que tinha dentro do saco preto.

Já os outros quatro policiais civis, citados nas denúncias, atenderam as ligações. E todos, como defesa, reafirmaram o que haviam dito para o Ministério Público. Eles disseram que não conhecem o bicheiro Carlinhos Virtuoso e que nos sacos pretos não havia dinheiro. Apenas Armando de Mattos Junior, advogado do policial Marcelo Cardoso, enviou uma nota. Ele disse que não existem provas para uma ação penal e que a denúncia do Ministério Público é baseada em deduções.

O Ministério Público ofereceu a denúncia e a justiça está analisando. Os promotores pediram a suspensão de porte de arma dos ex-policiais militares que faziam toda a segurança e a prisão de oito pessoas envolvidas neste caso. A justiça negou esses dois pedidos. O juiz da comarca de Santos, Valter Esteves, disse que os acusados não oferecem risco e não precisam ser presos mas ele decretou a apreensão de todos os bens em nome de Carlinhos Virtuoso e em nome de funcionários do bixeiro.
Pontos do jogo do bicho na Baixada Santista (Foto: Reprodução/TV Globo)
Pontos do jogo do bicho na Baixada Santista
(Foto: Reprodução/TV Globo)
Enquanto, a justiça analisa se aceita a denúncia do MP, endereços onde funcionam o jogo do bicho em Santos, continuam funcionando. A maioria dos pontos é em bares. Há uma lista dos pontos de apostas na cidade de Santos. Na Rua Joaquim Távora, em frente ao número 180, o local estava funcionando do mesmo jeito. As apostas são livres como se não houve contravenção. Os cambistas são claros e dizem que horas é o sorteio do próximo jogo. “O sorteio é 14h30 mas 15h já está aí o resultado,” disse um deles. Em outro ponto de aposta, na rua Luis Suplici na esquina com a avenida Ana Costa, o ponto funciona normalmente.

Na central do esquema, uma funcionária disse que no local funciona uma casa de eventos e que Carlinhos Virtuoso estava viajando.

O Ministério Público está recorrendo e pediu a prisão dos envolvidos, desta vez, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. A acusação, inclusive contra os policiais, é de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva e crimes contra a ordem tributária.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública disse que os policiais civis acusados de envolvimento com o jogo do bicho também são investigados pela sexta Corregedoria Auxiliar de Santos.

Os policiais respondem a processo administrativo, que poderá resultar em demissão. A Secretaria de Segurança disse ainda que a Corregedoria já pediu o afastamento preventivo dos policiais e o recolhimento da carteira funcional, do distintivo e armas deles. Mas, foi apenas um pedido, já que os policiais continuam trabalhando. E, quanto à denúncia de que o dinheiro era distribuído nas delegacias da Baixada Santista, nada foi dito.

A Secretaria de Segurança também informou que, quanto aos policiais militares reformados, a Polícia Militar vai tomar as medidas disciplinares necessárias.

* Reprodução Márcio Melo

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