Em Riacho de Santana, município da região Oeste potiguar, parte dos moradores da cidade instalaram uma segunda rede hidráulica para ter água encanada em casa. Mas é
preciso pagar. Driblar o colapso no abastecimento, suspenso desde novembro de 2013 em razão da falta de chuvas no interior do estado, custa R$ 30 por mês. O dinheiro é pago a donos de poços que criaram sistemas que não dependem da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern). Atualmente, duas redes particulares fornecem água para aproximadamente 400 famílias.
Para ver de perto os efeitos da estiagem no interior potiguar, equipes do G1 e da Inter TV Cabugi percorreram aproximadamente 1.400 quilômetros durante cinco dias. Foram visitadas 19 cidades no Seridó e Oeste – regiões que mais vêm sofrendo com a escassez. Entre elas está Riacho de Santana, uma das onze cidades do estado que atualmente enfrentam colapso no abastecimento d’água. As outras são: Acari, Antônio Martins, Carnaúba dos Dantas, Currais Novos, João Dias, Luís Gomes, Paraná, Pilões, São Miguel e Tenente Ananias.
Já em Apodi, Caicó, Itajá, Jucurutu, Lucrécia, Parelhas, Pau dos Ferros e São Rafael , foi constatado que o nível das barragens vem baixando rapidamente e que a paisagem está mudando a cada dia. Muitas famílias já estão pensando em ir embora. Algumas, para fugir da seca, falam até em buscar uma sorte melhor em outros estados.
Os sistemas de abastecimento particulares de Riacho de Santana levam a água que brota no fundo dos poços para caixas d'água suspensas. De lá, por meio de uma tubulação originalmente construída para abastecer as residências dos proprietários das cacimbas, foram instalados encanamentos que também passam a suprir a carência de quem se dispõe a pagar. José Edigle Ferreira de Carvalho, de 35 anos, gerencia um desses sistemas. “Hoje, o poço da nossa família fornece água para 130 casas que não dependem mais da Caern. Os R$ 30 que cobramos são usados para manutenção da rede e pagamento de uma pessoa responsável pelo funcionamento do poço”, afirmou.
Edigle contou que o poço foi perfurando por necessidade, quando o município entrou em colapso. “Todos nós precisamos de água para viver. Então puxamos uma tubulação para abastecer as casas dos nossos familiares. Alguns vizinhos, que não tinham condições de fazer o mesmo, nos procuraram e nós começamos a dar água. Só que a crise foi aumentando e cada vez mais pessoas passaram a nos procurar. Então resolvemos que, se elas comprassem e mandassem instalar os canos, poderiam usar a nossa rede. Daí passamos a cobrar a taxa para poder fazer a manutenção e garantir o funcionamento do sistema”, explicou.
Ainda de acordo com Edigle, que é professor de educação infantil, no terreno da família, que fica a um quilômetro de distância da casa dele, um novo poço ainda maior, com 6 metros de diâmetro, está sendo escavado para aumentar a oferta d’água. “Nosso objetivo não é concorrer com a Caern nem ganhar dinheiro com isso. Queremos ajudar as pessoas que não têm água. Se a Caern quiser alugar o nosso poço e pagar um valor que mantenha a rede funcionando, estamos aqui para conversar. Mas a empresa nunca nos procurou”, afirmou.
Na casa da também professora Jane Meire, de 44 anos, o feijão que alimenta a família dela vai para o fogo todos os dias graças a água que chega pela tubulação que o marido mandou fazer. Á água vem do poço de Edigle. “Quando chegar a água da Caern iremos continuar com a água do poço. É muito boa e mais barata”, disse.
Nas terras da famíllia de Edigle, um poço maior, com 6 metros de diâmetro, está sendo escavado para aumentar a oferta d’água (Foto: Anderson Barbosa/G1)
'Secou tudo'
Se na área urbana de Riacho de Santana as redes particulares levam a água para dentro da casa das pessoas, para quem vide na zona rural não há outra alternativa senão ir atrás dela. Agricultor a vida toda, José Jácome de Lima tem 69 anos. Ele disse que já enfrentou três grandes secas ao longa da vida, mas nada como a escassez destes últimos três anos. “Passei pelas secas de 1958, 70 e 93. Mas essa agora tá muito difícil. Não tem água em canto nenhum. Secou tudo”, lamentou.
Água para beber, José Jácome tem que comprar. Parte da aposentadoria que recebe, cerca de R$ 100, é usada mensalmente só para matar a sede dele e da família. Com ele, são 12 pessoas em casa. Para lavar, cozinhar, tomar banho e outros afazeres domésticos, é preciso disposição para longas caminhadas e muita força nos braços. O idoso caminha diariamente 8 quilômetros empurrando um carrinho de mão para ir buscar água na cisterna de uma irmã. “São quatro quilômetros indo e outros quatro voltando. Graças a ela temos como seguir a vida em frente”, agradeceu.
Na comunidade de Sítio Catolezinho, onde vive o agricultor, o abastecimento é feito por caminhões-pipa. Na casa de dona Maria do Socorro, de 71 anos, e seu Raimundo Ferreira, de 79, além de uma cisterna para 12 mil litros, a prefeitura instalou uma caixa d’água na frente da casa com mais 5 mil. O problema, é que a água só chega uma vez por mês. “Vem pouca. Nunca enche tudo. Na caixa d’água não tem mais. E pra colocar na cisterna, a última vez que o Exército trouxe água foi dia 19 de agosto”, informou seu Raimundo. “Aí o jeito é comprar. A pipa custa R$ 30”, emendou a mulher.
Empurrando carrinho de mão, José Jácome caminha 8 quilômetros por dia para conseguir água (Foto: Anderson Barbosa/G1)
O casal vive da aposentadoria. Cada um recebe um salário mínimo. “É pouco. Não dá pra encher a despensa”, disse dona Maria, mostrando a comida guardada dentro de um geladeira velha. “E ainda temos que comprar água. Aí é que o dinheiro não dá pra nada”, reclamou o marido.
Seu Raimundo e dona Maria têm uma cisterna e uma caixa d’água na porta de casa, mas reclamam que o abastecimento não é regular (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Emergência
Segundo o serviço de meteorologia do estado, esta é a pior seca dos últimos 100 anos. E para o ano que vem as previsões não são otimistas. Dos 167 municípios potiguares, 153 estão em estado de emergência em razão da estiagem prolongada. Destes, 122 são abastecidos por caminhões-pipa. O decreto foi publicado pelo governo do estado no dia 28 de março deste ano e tem validade de 180 dias. Segundo o documento, as chuvas ocorridas no segundo semestre do ano passado e início de 2015 foram insuficientes para a formação de estoques de água potável nos reservatórios.
Seca que assola o interior do Rio Grande do Norte vem causando a morte de muitos animais e prejuízos para economia do estado (Foto: Anderson Barbosa/G1)
Para decretar a emergência, o governo consultou a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (Emparn), que previu chuvas abaixo da média histórica para este ano, além de também levar em consideração os R$ 3,8 bilhões de prejuízo causados pela escassez hídrica em 2014.
Fonte: Cidade News via G1
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